segunda-feira, 10 de outubro de 2011

Outubro...

Pra mim o mês de outubro é todo assim: nublado! Se eu pudesse cortar um mês do meu ano, seria esse, com certeza!!!
É só chegar essa época que eu entro nesse climão...
Sinto como se eu fosse aquele barquinho da foto, à deriva, e as lembranças são como ondas gigantes me agitando e me conduzindo... pra lá e pra cá... Meu humor oscila, meus sentimentos também... mas quase sempre é sempre ruim!!!

Puxa... há seis anos era diagnosticada a morte cerebral da minha mãe... quando eu penso nessa frase parece que aquele momento todo volta a acontecer, aqui, dentro de mim...
Amanhã faz sete anos que meu pai sofreu um acidente de trabalho e teve que operar o pé direito... e, por fim, dia 25 fará seis anos que a mamãe descansou... sim, descansou porque os últimos meses tinham sido terríveis....

Hoje, um pouco mais madura, percebo que parece que Deus foi tirando ela da gente aos pouquinhos... mas, até o momento em que disseram sobre a morte cerebral, era impossível perceber que ela corria risco de morte!!!

Há alguns anos ela fazia tratamento contra Artrite Reumatóide... em maio de 2005, ela teve uma gripe muito forte, junto com uma conjuntivite... inclusive, essa não sarava devido à quantidade de remédios para a Artrite que ela tomava. Em meado de junho, sentindo muitas dores nas costas, a médica dela prescreveu injeções, já que elas "supostamente" eram devido à forte gripe...
Numa noite meu pai, não aguentando vê-la sofrer tanta dor, a levou no Hospital de Urgências de Goiânia (HUGO). Lá na porta ela desabou no chão, de dor... foi a última vez que ela andou.
No dia seguinte, tentamos várias vezes falar com a médica dela, que não atendia o telefone e, por fim, pediu a secretaria que nos dissesse para procurar os residentes dela no Hospital Geral de Goiânia (HGG) - onde ela fazia o tratamento da artrite. A essa altura ela não sentia nada da cintura para baixo. Foi necessária uma "sonda de alívio"... mas os médicos tiveram que ir almoçar. Eu, desesperada procurei por um plantonista, que a examinou e constatou que aquilo era de ordem neurológica, e chamou uma especialista. Ela suspeitou, fez uma punção e diagnosticou Mielite Transversa.

Não mencionei que o tratamento contra a Artrite era com Infliximabe (Remicade) e é possível perceber aqui e aqui (dá um ctrl + f e digita "mielite"), que o medicamento pode ter essa reação... em casos raros...

A partir deste dia, ela ficou internada no HGG, iniciou tratamento com Imunoglobulina, já estava recuperando a sensibilidade e mexendo um pouco os pés. No final de julho, ela apresentou um quadro de baixa audição. Como ela já tinha um histórico de excesso de cera no ouvido, foram feitas várias lavagens, sem sucesso. Com a quantidade de remédios, ela passou a ter diabetes. Inúmeras e gigantescas aftas apareceram na boca dela (a gente passava xilocaína para ela conseguir comer).
Dia 18 de agosto (dia seguinte ao meu aniversário) ela, finalmente, recebeu alta do HGG!

Como nós comemoramos!! Foi uma felicidade total!! Conseguimos que ela fizesse fisioterapia na UCG e na ADFEGO. Só que ela não tolerava ficar muito tempo na cadeira, e senti muita dor nas pernas a noite. Os médicos (residentes, eram eles quem mais acompanharam o caso) disseram que era sinal de que a sensibilidade estava voltando cada vez mais, então a gente comemorava muito.
Meu pai conseguiu uma vaga no CRER, onde disseram que as chances de recuperação dos movimentos totais dela eram enormes! Mas, na hora da internação, a médica percebeu que entre as receitas de remédios que ela tomava não tinha anticoagulantes, como a Heparina. Para pacientes cadeirantes e acamados, evita a formação de trombos.
Ao fazer exames, perceberam que ela já tinha um trombo na perna - o motivo para tantas dores.

Ainda assim, passamos alguns dias lá. Até que eles disseram que ela precisava de uma UTI pois o trombo supostamente teria saído do lugar e poderia se alojar no pulmão. Fomos para o HUGO, onde ela ficou na assustadora sala de reanimação, em cima de uma maca, por dua noites!!
Na última dessas duas noites, ela viu dois senhores morrerem, um de cada lado de onde ela estava.
Depois desse terror, voltamos ao HGG, onde os médicos disseram que ela não precisava de UTI ("Olha para sua mãe, você acha que ela precisa ficar na UTI, sozinha?").
Assim, ficamos mais alguns dias lá. Até que ela começou a apresentar pequenos episódios de confusão mental. Nada grave, que passou despercebido, justificado pela quantidade de remédios que ela tomava e o tempo que estava no hospital. A diabetes, as aftas e o problema na audição continuavam.
Porém, uma noite, ela teve vários delírios, tentou arrancar o soro, ficou muito agitada... no dia seguinte, os médicos se reuniram e decidiram levarem-na para a UTI "mas não vamos sedá-la nem entubá-la, apenas por precaução".

Nessa altura, o diagnóstico da Artrite já tinha mudado, segundo os médicos, ela tinha Vasculite, ou Doença de Behçet uma inflamação nos vasos sanguíneos, que atrapalha a circulação e estava atrapalhando o funcionamento adequado do cérebro dela.

Quero deixar claro que, até aqui, não havia motivo sequer para suspeitar de um possível risco de morte! Nosso maior medo era ficar alguma sequela da Mielite ou mesmo da doença de Behçet...


Já nas primeiras visitas ela estava mais e mais confusa... até que no dia seguinte, estava entubada e sedada. Daí, foi preciso fazer diálise, passaram-se dias e chegou o terrível 10/10, quando veio o tal diagnóstico de morte cerebral. Tentamos encontrar um outro médico para refazer os testes, mas o corporativismo profissional não permitiu... tentamos doar os órgãos, mas também não conseguimos, e o que disseram que duraria apenas alguns dias, mas foram 15! Quinze dias visitando-a, coração batendo, mas sem vida... foi um velório de 15 dias!!
No último deles, dia 25, nós percebemos que era o final.. a pressão dela estava 5x3, lábios roxos... quando o telefone tocou a gente já sabia o que tinha acontecido.

#desbafo

Outro dia escrevo mais.

3 comentários:

  1. Cris! Há quanto tempo! :)

    Vi o link do seu blog em um tweet que você postou no facebook e acabei parando nesse texto aqui. Li umas três vezes (uma delas em voz alta, para o meu namorado) o que você escreveu e me coloquei em seu lugar em cada frase lida.

    Meu Deus, como tudo isso deve ter sido difícil pra você! Na medicina, a gente vê histórias mais ou menos assim: uma doença rara (é a primeira pessoa, fora dos livros, que eu ouço falar com Behçet), uma família que se dissolve prematuramente, uma cadeia de acontecimentos que levam a um desfecho nunca cogitado, o descaso de algum profissional, a inconseqüência de outros (Cris, deixar anticoagulante de lado nesse caso é quase como uma doceira esquecer de botar açúcar em um quindim). Mas o impressionante foi tudo ter acontecido de uma vez, com uma pessoa só. :(

    Relendo, eu me dei conta de que , na época, há pouco havíamos deixado de ser colegas no CEFET, mas que eu ainda tinha algum contato com a turma. Lamentei não ter podido te dar um abraço naquela ocasião e dizer o quanto eu senti a sua perda.

    Hoje, seis anos após o ocorrido, eu te digo que a sua dor também foi minha, quando eu li o que você escreveu. Imagino o quanto deve ser doído pra você conviver com essas lembranças. Espero que, um dia, eu possa evitar que pessoas sofram como você, a sua mãe e todos os envolvidos sofreram.

    Um beijo carinhoso!

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  2. Oi Sandra,

    Nem preciso dizer que não foi mesmo fácil... aliás foi bem difícil...

    Você não imagina como suas palavras me fizeram bem! Esse post eu escrevi num embalo só, como um desabafo mesmo, praticamente sem reler o que tava escrevendo... achei a pensar que tava até sem sentido, mas eu precisava fazer isso... colocar tudo pra fora...

    Aquela época no CEFET e em todo lugar, eu me afastei de todo mundo, me fechei no círculo com meu pai, minha irmã e o Enzo... e só... parece que todo o mundo ou estava contra a gente, ou não tinha noção do que tava acontecendo... Hoje, mais madura eu percebo que foi errado e que não era incômodo chorar na frente dos outros...

    Agradeço mesmo o seu carinho e principalmente o seu cuidado em tentar evitar que esse tipo de coisa se repita!!

    Um bjão!!

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  3. Cris, que história horrível! Traumática, também, por tudo ter vindo assim, sem aviso. Imagino que por isso seja tão complicado superar essa dor toda. O Infliximab é visto como o salvador da pátria em algumas doenças auto-imunes, mas a maioria dos médicos nem tem ideia dos efeitos colaterais e dos detalhes de uso! Em crohn, por exemplo, ele é muito utilizado, mas não poderia ser usado em pacientes do tipo estenosante, pois pode perfurar o intestino. Quantos médicos sabem disso? Quantos levam isso a sério? É complicado quando o profissional só engole o que a indústria farmacêutica vende e não estuda o suficiente para administrar o produto com responsabilidade.

    Olha, eu não sei se você quer superar, se quer deixar toda essa dor para trás (digo isso porque algumas pessoas acham que têm de ficar remoendo a dor, ou se sentem culpadas por não sofrer), mas se quiser, eu gostaria de te falar como eu faço.

    Escrevi um post sobre isso, falando da morte do meu gatinho, mas foi a mesma coisa que eu fiz para superar a morte do meu pai, da minha melhor amiga e todas as mortes bruscas e terríveis de pessoas que a gente ama e que parecem que arrancam nosso coração do peito. Espero que te ajude.

    http://lampertop.com.br/?p=1292

    A gente tem que fazer um esforço grande para isso, mas é possível. As pessoas que nos amam não gostariam de ser parte do motivo de nosso sofrimento. Então, pela sua mãe, que tanto te amou a vida inteira, se esforce para que o próximo mês de outubro seja bonito e iluminado.

    Beijos!

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